
23 Mar Pe. Bernardo
PADRE BERNARDO BOLDINI
Nascido em 1930 em Borgosatollo (Brescia), iniciou sua vida monástica no mosteiro Trapista (OCSO) de Tre Fontane, Roma, em 01/12/1956, fez a profissão solene em 1963, recebeu a ordenação sacerdotal em 10 de agosto de 1967.
Foi noviço do Venerável Pe. Romano Bottegal, cujo processo de beatificação está em andamento. Portanto, teve um mestre excepcional como doutrina, vida mística – e hoje também podemos acrescentar força profética. Pe. Bernardo foi um fiel discípulo do Pe. Romano durante toda a sua vida, isto é, deste homem de grande estatura espiritual que deixou a sua comunidade depois de uma longa preparação, feita, primeiro, de serviço à comunidade e de períodos de vida eremita vividos pelos superiores maiores, mas certamente com grande decepção dentro do claustro, então finalmente liberado, com a permissão de sua comunidade. Por esta razão, por muito tempo foi acusado de desobediência e rebelião; até que a pujança de sua santidade, após sua morte prematura e Santa, obrigou-nos a rever nossas posições.
O Pe. Bernardo permaneceu por mais de 20 anos nesta comunidade cheia de problemas, que vinham sobretudo de sua difícil localização na cidade de Roma, que sempre a expôs a tentativas de roubo de diferentes tipos. Os superiores, obrigados a enfrentar essas dificuldades, não podiam se dedicar suficientemente ao cuidado da comunidade, aspecto particularmente exigente e difícil para todos em nossos tempos de transição.
O Pe. Bernardo exerceu posteriormente as funções de Mestre de noviços, Prior e Superior. Deveríamos também conhecer melhor a história de Dom Domenico Turco, bela figura de Abade de Tre Fontane, homem de grande cultura, magnanimidade e cortesia. Grande amigo da Madre Pia, Abadessa do mosteiro trapista feminino de Grottaferrata, reconheceu sua grandeza e foi fiel a essa amizade até a morte, ignorando as calúnias de tantos mesquinhos e invejosos.
Financiador da construção de Vitorchiano, antes, e de Valserena, depois (esta última era a fundação sonhada por tanto tempo por Madre Pia) e benfeitor de muitos, desde as Irmãzinhas, até hoje hospedadas nos terrenos de Tre Fontane, e várias outras famílias religiosas. Foi também financiador daquela obra demasiado imponente da Ordem que era a Casa Geral e a casa de acolhida para os estudantes de Monte Cistello. Enfim, em um momento muito difícil de expropriação pelo Estado, foi acusado de ter dissipado o patrimônio de Tre Fontane, teve que renunciar e depois viveu como monge em humildade e silêncio, dedicado às suas belas traduções de São Bernardo.
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O Pe. Bernardo, ao contrário, me dizia que fora o Administrador Apostólico francês, nomeado depois dele e sempre considerado o salvador da situação, quem comprometera gravemente o patrimônio, anulando as escolhas sábias e prudentes de Dom Domenico, o qual havia posto em segurança grande parte do capital.
O Pe. Bernardo Boldini, nomeado superior, assumiu essa situação bem intrincada, trabalhando por alguns anos (1974-1977), dia e noite, para colocar a situação administrativa e financeira em ordem, esgotando seriamente suas energias. Aproveitando-se da circunstância, seu prior claustral, também este um monge enviado do mosteiro de outro país, provavelmente para removê-lo, trabalhava no seio da comunidade para colocar os irmãos contra o superior.
Essas coisas foram-me contadas pelo próprio Pe. Bernardo para explicar-me como, ao completar sua tarefa e já sem forças, ele havia se refugiado na Casa Anexa de Boschi que, entretanto, desde 1972, havia sido instituída por ele mesmo, por Dom Domenico Turco, originário daquela região e que se tinha interessado pela busca do local, e por alguns outros irmãos, em vista de uma possível transferência da comunidade.
Após o intervalo passado como superior de Tre Fontane, voltou definitivamente em 1977. A história do pequeno núcleo e de seu crescimento até se tornar mosteiro independente pode ser encontrada no site da Comunidade: https://monasteromadonnaunioneboschi.it/
Estas três figuras que mencionamos, Pe. Romano, Dom Domenico, Pe. Bernando, expressam um pouco, juntamente com muitas outras, as duas atitudes de Tre Fontane: por um lado um espírito fortemente contemplativo, que levava a sair de Roma para buscar a solidão e um ambiente mais
consoante com a busca de Deus; por outro, uma fidelidade à presença monástica em Roma, presença almejada pelos Papas, no local do martírio de São Paulo, e por muitos outros cristãos; presença iniciada pelos monges orientais, continuada por São Bernardo e quase ininterrupta até hoje. Presença em um lugar fortemente amado pelos monges: presença bastante apreciada por Pio XII e Paulo VI, que sempre se opuseram à ideia de uma transferência.
Não esqueçamos que nos anos 50 a Virgem aparecera, em um terreno de propriedade do mosteiro e com acesso ao público, a Bruno Comacchiola e a seus três filhos, como a Virgem da Revelação. Na gruta dessas aparições, foi construída a Capela de Nossa Senhora da Revelação, cujas mensagens estavam ligadas às de Fátima e de outras aparições. Embora nunca oficialmente reconhecidas, essas aparições determinaram, até hoje, um intenso movimento popular de oração, particularmente atento às revelações proféticas sobre o futuro da Igreja Romana.
Como poderiam os monges abandonar este campo de luta espiritual, onde a oração oficial na igreja da Abadia, as celebrações da Eucaristia e do Ofício Divino, a acolhida de peregrinos nos locais do martírio, as confissões e a direção espiritual se juntam à piedade do povo e sustentam o discernimento de tantos, seja eclesiásticos, religiosos ou leigos, ainda atraídos pela santidade bimilenar deste local? Mas como os monges permanecerão monges sem uma renovação espiritual adequada ao nosso tempo?
Esta é a questão de fundo que sempre interpelou o nosso Pe. Bernardo. Pessoalmente, apesar das dificuldades de entendimento entre as duas comunidades, quando as Tre Fontane perceberam que já não tinham forças para manter Boschi e esperavam o retorno dos irmãos, sempre senti como as Tre Fontane fossem a raiz profunda que dava consistência a Boschi, e como Boschi representasse a renovação de Tre Fontane, tão necessária quanto pouco compreendida a seu interno.
Quando em 1982 foi realizado o primeiro encontro de formadores e formadoras italianos em Valserena, Dom Domenico Turco estava presente como padre mestre de Tre Fontane, mais tarde substituído pelo Pe. Emanuele e Pe. Bernardo. Ele representava Boschi, de quem era superior e formador.
Naquela época, enquanto Dom Domenico, por primeiro, e Pe. Emanuele, depois, eram filhos e estudiosos de São Bernardo, o Pe. Berardo Boldini vinha surgindo como um pesquisador inquieto e ouvinte atento de todos os novos fermentos da cultura e da sociedade. Naqueles anos, aprofundava o pensamento de Freud de uma forma muito pessoal; mas essa longa e árdua busca não levava ao engano sobre a solidez teológica de sua abordagem pessoal, sempre fortemente nutrida pelas Escrituras, pela Liturgia, pelos Padres e pelo Magistério Eclesial. Mas ele nunca desistiu de sua pesquisa antropológica apaixonada, generosa, árdua, para desenredar a imagem autêntica do homem do formalismo congelado do clericalismo da época e dos gargalos dos costumes Trapistas ainda mais congelados. A pergunta que não se calava: "Quem é o homem? Como pode crescer e se tornar cada vez mais ele mesmo em sua relação com Deus?", era normal para nós.
A pesquisa do Pe. Bernardo aprofundava mais e mais o campo eclesial-sacramental, ao passo que as monjas eram mais sensíveis à eclesiologia da comunhão. Todos, contudo, encontravam-se em São Bernardo; e creio que, em meio a tantas discussões, enriquecemo-nos uns aos outros mais do que se supõe.
Voltando ao Pe. Bernardo, a característica de seu espírito e mente sempre foi a de uma abertura ilimitada, eu diria, maior do que seus limites como homem e monge, ligado àquela determinada experiência ou ambiente. Abertura aos problemas do homem, às vicissitudes da história, à evolução da cultura em anos difíceis e atormentados para todos. Abertura sobretudo ao trabalho do Espírito Santo no espírito humano, que ele incansavelmente investigava na Liturgia, nos escritos dos Padres, na espiritualidade e no cotidiano dos homens. Este grande desejo de verdade e sabedoria habitava um corpo baixinho e frágil, de aparência resignada e com uma palavra que não era lá muito fluente.
Voltando aos nossos encontros de formadores, lembro-me de como suas considerações lentas e sábias acabavam se perdendo em sua própria barba; e a nós, mais jovens e despreocupadas, provocava sono e tédio. Quando, no entanto, como secretária, ao voltar ao meu mosteiro, cuidadosamente redigia as notas, eu me surpreendia grandemente com a profundidade dos tópicos abordados. Devo acrescentar que nosso carisma de monjas era o de convidar nossos sábios Padres, um tanto entrincheirados em seus raciocínios, para um diálogo que daria vida a essa reflexão, e fosse usada para iluminar os problemas cotidianos. Desta forma, o trabalho do nosso pequeno grupo de formadores tornar-se-ia uma importante contribuição para nossos Abades e Abadessas, que retomariam mais tarde os mesmos temas em suas reuniões regionais, desenvolvendo-os e aprofundando-os. Foi assim que os relatos dessas reuniões chegaram também às casas mais longínquas da Ordem, para um intercâmbio fecundo.
Evidentemente, todas as minhas memórias pessoais do Pe. Bernardo dizem respeito à vida de nossos mosteiros. E não cabe a mim falar de seu paciente trabalho em dar vida à bela Comunidade de Boschi, com sua liturgia tão orante, e sua irradiação na região, através de um grupo de leigos ativo e presente na oração. Nem poderia falar o suficiente sobre seu ensino, tanto para religiosos como para leigos; sobre suas inúmeras publicações em "Cadernos"; sobre a fase em que, já idoso, atualizou seu método usando dispositivas, "slides"... Nem poderia imaginar suficientemente sua ajuda ou de outros membros da comunidade a religiosos, através da direção espiritual e retiros ... Eu vivi tudo isso um pouco de longe, mas também foi bem percebido nas visitas a Boschi, onde a atmosfera de oração, amizade, simplicidade sempre nos cativou com um fascínio especial. Desses homens, podíamos perceber acima de tudo que eram e queriam estar buscando a Deus e, consequentemente, eram como irmãos.
Nem certamente serei capaz de dizer o suficiente, além desses poucos acenos, sobre a investigação do Pe. Berardo no campo espiritual. Sua atenção à Liturgia em todos os seus aspectos era predominante, tanto na condução da comunidade quanto no estudo e no ensino. Colocava também muita atenção a um campo menos frequentado pelos monges do nosso tempo, o do exorcista. A bondade e a generosidade de sua natureza o levaram a doar-se muito em um ministério de cura espiritual - e era impressionante ver este homem, com uma aparência tão frágil, nunca desistir diante da luta contra o mal.
Um capítulo especial seria aquele do compromisso e das forças gastas, durante anos, em ajudar nossa fundação na Angola. Uma generosidade enorme sempre sustentou o compromisso da comunidade de Boschi. Como sempre, os obstáculos encontrados também foram enormes, e em certo momento demonstraram-se insuperáveis. Infelizmente, essa história, que se tornava cada vez mais complicada, impôs em dado momento um stop na colaboração entre nossos mosteiros. Jamais consideramos interrompida a amizade, mas não conseguindo mais atingir os acordos necessários, as comunicações em algum momento foram suspensas. Acho que o Pe. Bernardo também sofreu com isso.
Sua sensibilidade era muito aguda e o tornava muito vulnerável, revestindo com uma aparência de fraqueza aquela sua forma interior, nunca domada, de homem de Deus.
Quando voltei para visitar Boschi nos últimos anos, lembro-me das visitas ao Pe. Bernardo em seu estúdio. Era uma espécie de “Sancta Sanctorum” regurgitando livros, livros, livros em uma desordem pitoresca e buliçosa. No centro deste reino, sua voz suave e contida fluía com aquela sua característica cantilena e eram palavras de Agostinho, dos Salmos e dos profetas, as de todas as Escrituras, de São Bernardo, de outros Padres. Falava tal como respirava, tal como vivia, um rio de suave e irresistível sabedoria, escondido entre seus bosques, cercado por seus irmãos barbudos, na penumbra da igreja, que fora um estábulo.
Agora que esta raiz afundou na terra, a Misericórdia e as Bênçãos de Deus continuem a se derramarem sobre esta pequena comunidade, que é o verdadeiro legado do Pe. Bernardo.
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